Comida afetiva e os sabores da infância

Todos nós seres humanos, independente da nossa origem, temos na nossa primeira infância a fase mais importante de descobertas em nossas vidas e ela nos deixa marcas absolutamente inesquecíveis que vão sempre nos acompanhar.

Aposto que você algum dia já se viu arremessado ao passado saboreando algo que costumava comer com grande prazer: o arroz doce com canela da mãe, o pão de milho da vó ou aquela costela assada do pai no domingo. Lembranças queridas capazes de lhe transportar à infância. Chamamos isso de memória afetiva.

Essas sensações, imortalizadas na nossa memória, têm um forte poder e nos trazem um conforto inexplicável (vem daí o termo comfort food ou comida afetiva utilizado por alguns restaurantes). Afinal, é o lugar onde crescemos e as pessoas com quem convivemos que constroem nossa identidade social e, por consequência, nosso comportamento alimentar.

A relação entre comida e memória

Na literatura, no cinema, nas ciências, na filosofia e religião existem diversas evidências da relação entre memória e comida. Em uma cena do filme Ratatuille, quando o crítico gastronômico Anton Ego levou à boca a primeira garfada de ratatouille – um refogado de vegetais tradicional da França – até se esqueceu de que estava ali, à mesa, para avaliar o restaurante que acabava de lhe servir aquele prato. De repente, ele pôde se sentir novamente o menino que chegava em casa para a refeição, ganhava um afago da mãe e comia o ratatouille feito por ela com amor.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu afirma que é “provavelmente nos gostos alimentares que se podem encontrar a marca mais forte e indelével do aprendizado infantil. São lições que resistem por mais tempo à distância ou ao colapso do “mundo nativo” (conhecido pelo mundo dos gostos primordiais e alimentos básicos) e que conservam a nostalgia.”

Já o escritor francês Marcel Proust concluiu que o olfato e o paladar têm o poder de convocar o passado. Ele atribuiu a uma Madeleine (bolinho de limão em forma de concha), e uma xícara de chá o fato de ter recordado de um período esquecido de sua infância. Ao se conectar com suas memórias, Proust rompe com o incômodo vazio de sua escrita e produz a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, considerada um dos principais clássicos da literatura mundial.

Diversos pesquisadores vêm estudando a relação entre os sentidos, os alimentos, nossas memórias e sensações de prazer. A psicóloga Rachel Herz, da universidade de Brown (EUA), comprovou que apenas o olfato e o paladar são os sentidos considerados exclusivamente sentimentais, porque apenas estes dois são conectados com o hipocampo, a parte do cérebro que armazena as memórias de longo prazo.

Em busca de comida afetiva

É impossível dissociar cozinha de afeto. Com um mundo acelerado, onde os alimentos industrializados e ultra processados podem ser uma alternativa mais fácil, devemos nadar conscientemente contra a corrente e buscar alternativas mais saudáveis para nosso corpo e nossa mente. Nada melhor do que o “caseiro”, o “feito com amor” ou a “comida de vó”.

O trabalho da Caixa Colonial , por exemplo, busca resgatar a memória afetiva dos produtos regionais brasileiros, cultivando tradições e valorizando o pequeno produtor. É uma forma de contribuir com uma alimentação mais adequada e construir memórias tão boas quanto aquelas que nos foram deixadas.

E para você, quais são suas lembranças de comida afetiva?

Jeferson Jess

Fundador da Caixa Colonial, um clube de produtos regionais e artesanais por assinatura que valoriza o pequeno produtor local

4 comentários

Faça um comentário

Seu email não será publicado

Você pode usar HTML tags e atributos: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>